22.12.09

Olhe, bem.

— Podes vir, moça bonita.
— Sinto-me estranha, há muitos não sei se meu regresso é desejado.
— Olhes bem para esta boca de dentes expostos e responda-me tua pergunta.
— Tu sempre foras gentil, mas sei que de tanta gentileza não cabe tanta verdade.
— Olhes bem para esta mão de dedos trêmulos e responda-me tua pergunta.
— Sei que tu tens mania de tremer quando estás nervoso...
— Olhes para o brilho que emana de meu olhar e responda-me tua pergunta.
— De felicidades tu és feito, de luz tu és intenso.
— Olhes bem para dentro deste meu peito de coração palpitante de amor teu, mas olhes com pureza e leveza, vejas quanto isto permanece aqui comigo.

(...)


— Como é doce a volta ao nosso lar, meu amor.

10.12.09

Sinta.

Resumidamente: abra, e estique cuidadosamente esta fita que entrelacei com pensamentos entrelaçados aos seus abraços fugazes. Podes fazer o mesmo com aquela outra que enlaçava cá esta que tu desfizeste de sua beleza. Puxes. Percebas quanto poder paira sobre suas mãos, sinta o pesar da responsabilidade que te presenteia neste momento. Desembrulhe o embrulho onde [me] escondi esta importância em miniatura para que tu possas arbitrar o novo rumo que direcionei em teus braços. Abrace. E Ponhas a caixa acima de teu colo que por noites fiz de minhas almofadas e de suas carícias meu aconchego. Chegues perto. Tentes espiar por entre buracos que milimetricamente planejei, pois bem sei acerca de tua ansiesade. Agora que tu já sabes o que te espera, não desistas, vá, ande. Abra. Retires o lacre, o obstáculo que em nossas vidas impedia-me de te encontrar por estas estreitas ruas que modelam um labirinto-sem-saída. Ponha-te firme. Cautelosamente, ponhas tuas mãos frias e trêmulas dentro deste caixote que contém aquilo que possas ser o presente mais bem dado por alguém que sofre de silêncios teus. Pegues. Sinta o perfume forte que ao longo do presente espirrei para que tu possas sentir a fragância que me lembras você. Sinta-te. E deixes teus olhos brilharem por ao menos frações destes segundos que se não fosse tão dramático, daria meus olhos e os colocaria neste embrulho, para presenciar tua surpresa ao deparar com minha relíquia. Vejas bem, moça, há contigo, agora, um coração. Que pulsa, que estremece, que fraqueja, que sente. Sinta, moça. Fraqueja, moça. Estremeça, moça. Pulse, moça. Ame.

26.11.09

Passos pelos campos

Bem me faz tu quando insistes em caçar meus rastros em outras trilhas. Deixo úmida minha pegada, forço minhas pisadas, e sigo este meu trajeto, reto, nada correto. Não dou cabo de minhas marcas, exponho-as, e que tu encontre-as rapidamente, ou demores um pouco, deixando-me saborear esta mistura doce do reencontro com o amargo da saudade. Podes caminhar ao lado de meus desenhos perfeitamente delineados à terra fresca, podes traçar teu destino paralelamente ao meu. Somos retas, e paralelas. Não nos encontramos... Tu consegues bem seguir meus passos, sinto tua presença a cada passo milimetricamente dado em minha direção. Mas estes meus rastros que deixo ruas afora estão em outros campos, em outras terras. Aqui, perto de mim, há apenas pegadas no asfalto. Não há como enxergar estes meus passos. Ainda deixo minha esperança solta pelos campos, um atalho. O atalho que te ensinas a chegar nestas trilhas distintas do meu andante coração.

24.11.09

Calo-me e tu falas por mim

Você some.
Me consome.
Sabe que não é assim.
Gosta de pertubar a mim.
Nesse jogo de gato e rato.
Não me dá papo.
E a gente vai vivendo
E se entendendo, assim...


por Felipe Garcez

18.11.09

Deixe-me.

Deixe-me, logo. Deixe-me partir de vez. Deixe-me perambular em outros mundos fora dos teus, deixe-me viver em paz. Deixe-me ausentar de tua vida cheia de graça de tuas felicidades, de teus vícios, tua vida, esta, que me alimentou por tantas noites vazias em claro. Deixe-me tentar te esquecer por três dias apenas, deixe-me, e se eu assim for capaz, não me busques não. Se não capaz, deixe-me, ao menos por poucos segundos, entrar em teus comandos, descobrir teus encantos, viver em teu canto. Deixe-me entender o porquê desta mania de desencontros. Deixe-me entender tuas inconstâncias e teus desapegos. Deixe-me entender-te logo, quem sabes assim eu não passe a compreender tudo que sinto e escapo de ti, de tudo que nos chama, deixe-me ser água que corre pelos canos, deixe-me fluir. Deixe-me fechar os olhos e por um instante, não pensar em ti. Deixe-me ou não me deixes de vez. Não me deixes, portanto, assolar-me de teus atos, de teus estados, de tuas vidas. Várias vidas. Deixe-me te amar todos os dias, faças a mim promessas diárias e cumpra-as. Não me deixes esperando... não me deixes mais, ou me deixes sempre, e deixes a vida me ensinar a viver sem ti.

Deixe-me. Deixe-me. E saias de mim.

16.11.09

Chove lá fora.

É frio. E venta. Desesperanças e sonhos fugazes inudam toda a rua que se faz estreita ao passos cambaleantes deste instável rapaz cheio de ventania. É escuridão. E o sereno sussura aos ouvidos dele que o perigo se aproxima de forma estratégica, aguardando o tempo exato entre o escorregar e o cair neste beco escuro de luzes distorcidas e fracas. Ele se manteve firme ao passar pelo declive que o pegou desprevinido naquela rua conhecida ao dia, estranha e inesperada à noite. É noite. E o som dos sinos da meia-noite ecoa por toda a cidade como um aviso prévio, um alarme. E ele já não se importa mais. Procura, como quem caça um abrigo em meio a tempestades, um canto para se entregar e se deixar devorar de vez, em uma única tentativa. Não foge. Na descida da rua de altos e baixos ele caiu.

Quis analisar se era o certo a fazer, e não fez. Ficou por horas a fio nesta calçada inundada de amores passageiros, corações despedaçados, tristezas reprimidas. O perigo, agora, o cerca contemplando o medo daqueles olhos fixos feitos frestas para ideias vãs. Ele não é ele mais. Seu rosto fora distorcido por suas mãos sujas pela lama da rua enquanto passara-a em seu rosto conturbado. É amor. E dói. E o perigo revela-se humano com rosto, cabelos compridos, unhas vermelhas, seios fartos, tez morena e calor nos olhos. O perigo se senta ao lado dele, fitando os olhos amendrontados que ele carregava em meio a face, aquecendo com um vento de ternura. É manhã. E chove fino. E traz consigo todo o nascer do sol que reflete seus raios nestas gotículas fortes que caiem do céu. O rapaz acorda, trêmulo de olhos vermelhos, e vê que dormira ao lado da pessoa que o fizera ali está. Ele sente o perigo do reencontro em sua tez alva.

Há calafrios. Há também amor, e a ele não era compreensível. Pela tarde que antecedera sua bebedeira jurava a si nunca mais dizer-se o nome dela em si, jurara amar como quem ama o inimigo que te mata com ódio na hora de sua própria morte, jurara apenas nunca mais amar. E, agora, de nada adiantara seus falsos juramentos, suas faltas expectativas, seu falso ódio. Amava, e naquele momento em que pôde observar que o perigo que adormece ao seu lado foi ao seu encontro dentre penumbras que assombram todos que por ali passavam, ele fora capaz de compreender. Seu amor, que nunca ecoou aos quatro ventos o sentimento que sentira por ele, que nunca caçou feito loba por sua companhia, que nunca inundou seu coração de esperanças, ainda era seu amor, ainda que sejas perigoso. Perigosa.

E os dois se mantiveram adormecidos, na Cidade Sem Destino, na Rua Dos Apaixonados. E se aqueceram, na quietude dos seus sentimentos, sonharam.

10.11.09

Um vazio sem cor.

Eu poderia esquecer todos os pesares que brincam de me atormentar pelas noites gélidas. Poderia ignorar fardos, problemas, receios. Poderia tantas coisas, pois tu estavas ao meu lado. Tu eras brilho, e transformavas qualquer pedaço de vidro em diamante. Eu poderia ter o mundo em teus abraços, porque tu me deste vida.

E de repente, tudo se apaga. Nada mais sobra, nem do que ficou. Pro teu cansaço tu tinhas meus ombros, pra tua carne a minha carne, pro teu corpo minha alma, pra tua alma o meu amor. Tu tinhas tudo e eu quase nada. E, agora, nem mesmo um vazio sobrou.


Quando lembrei de mim, passei a te esquecer.
E, vejas, esqueci.

O teu vazio colorido não colore mais minha vida.

6.11.09

Quando a gente [re]ama.

É bem ali, no instante de não pensar e pensar. Vejo-me, em sonhos, driblando obstáculos para ver-te passar por aí, em uma ruela qualquer. Eu espero andando tua vinda parada. Alguma coisa martela em meu coração, uma saudade, um carinho, eu não sei não. Só sei que conheço a melodia neste martelar, ritmado.

Sinto beijos em meu rosto, mandados por ti, jogados ao vento, com número e endereço. E o vento sussura no meu ouvido que tu estás por perto. E me orienta para tua direção. Teimo. Tenho medo. E sigo o sentido contrário, mas tu estás por toda parte.

Labirinto. Paro. Respiro. Procuro outro canto. Então, por entre as frestas da janela, o sol aquece meu corpo já aquecido de sonhos teus, acordo. E lembro teu rosto. E ponho-me a fechar os olhos outra vez. Teus olhos continuam a me fitar, e emanam saudade. Já os meus, refratam e refletem toda esta procura não achada, este entendimento incompreensível.

Há suspiros. Minhas pernas, já trêmulas, reconhecem o que as fazem tremer. Esta luz ilumina toda esta penumbra que fez, desde tua ausência, moradia em meu peito. Quando a gente [re] ama, o coração é rápido em entender...

2.11.09

Eu, que carregava meu passa-tempo na mochila...

A Vó, que tivera sua infância bombardeada de notícias trágicas vindas da Segunda Grande Guerra, e seus sonhos interrompidos em meio à repressão imposta pela Ditatura, sorriu-lhe por instantes, e disse-lhe, por impulso:

— Como é viver após os dezoito anos, meu netinho enjoado? — Brincou a Vó, emocionando-se ao poder contemplar o momento em que seu quarto neto se transformara em adulto.

— Vó, minha! É como perguntar-me se bolo está bom, antes que eu o tenho provado — Respondeu ele, rindo de suas palavras, forçando uma dúvida inexistente sobre o gosto do bolo que sua vó fizera.

— Mas você acredita que esteja bom, não é ? — Resmungou ela, meio incerta se deveria ter perguntado.

— Claro que sim, vovó. — Firmou-se, dando a ela certeza de suas palavras. — Continuo acreditando em sua experiência com os doces da família, em suas sábias palavras, e em seu amor que transborda do seu coração. — Continuou ele, tentando aliviar a tensão criada pela brincadeira.

— Ah meu neto, então não me venha com dúvidas. E voltando ao futuro, o que ele te reserva? — inquietou-se, ansiosa com a resposta dele.

— Quanto a isto, eu não sei, não, vó. Só uma coisa tenho certeza: Continuo com os mesmos sonhos que não cabem em minhas mãos.

E a vó, em ponto de soltar uma lágrima, retribui-lhe as palavras apenas sorrindo. E este sorriso dizia:

— Este é o meu netinho!

30.10.09

Jaz aqui, comigo.

Mas daqui umas semanas, tu vais me ligar. Querendo contar a história de sempre, no lugar de sempre, na tua vida de sempre. Tu pedirás que eu fique mais um pouco, porque nem é tão tarde assim. Tu encontrarás uma desculpa para me chamar à toa, apenas para sentir-se bem, quando todos fazem mal a ti.

Tu vais rir comigo quando eu começar a minha mania de rir de tudo e sem parar. Tu vais querer tanto este dia que mal conseguirás entreter-se em tua rotina sem graça. E quando este dia chegar, daqui umas semanas, ou meses, eu não serei quem tu carregaste sempre ao teu lado quando no aperto precisaras.

E neste dia, eu lhe direi não, sem sofreguidão e/ou desespero. Será tão fácil que não pensarei antes. Neste dia que nos era tão distante, hoje se faz futuro próximo em minhas palavras.

Mas em meu coração, este dia já é passado.

E já faz longos meses.

28.10.09

Guarde-me [te]

À beira cama, numa quietude serena, onde nenhuma voz quarto afora se fazia ouvir, uma ganhou vida. E mais uma. E silêncio.

— Durmas com Deus! — sussurrou a Voz, em uma tranquilidade forjada.

Silêncio.

"Quantas histórias eu não contei, quantos choros não ouvi, quantas vitórias não contemplei, quantos momentos desperdicei?", em pensamentos retóricos, contestou-se a Voz.

A Voz deu de costas à cama, e direcionou-se à porta. De madeira velha e despedaçada, a porta rugiu. Acordando, assim, a pequena Voz.

— Espere! — exclamou a pequena Voz. — Quem és tu?
— Tu não me reconheces mais?
— Devo mentir?
— Achas que deve?
— Queres me responder, sem perguntas? Quem és tu?
— Um anjo.

A pequena Voz fitou o vazio, em meio a escuridão. Em uma tentativa frustrada, ela tentou alcançar a lanterna que sempre ficara ao lado da cama, mas a Voz, cautelosamente, já a tirara de jogada. Espertamente, a pequena Voz lembrou-se do abaju, e no intervalo de levantar a mão e acendê-lo, a Voz já o fizera.

— Calma, agora podes me ver bem.
— Nem tanto, mas vejo teus olhos.
— Reconheces os olhos de teu Anjo?
— Tu és meu Anjo? Anjo-da-Guarda?
— Sim, sou eu.

A Voz sentiu um orgulho invadir seu espírito ao se afirmar à pequena Voz, que mesmo sonolenta, se sentiu bem disposta.

— Então, tu és meu Anjo-da-Guarda!
— Sim, e tudo que me pedires, posso atender-lhe.
— Tudo tudo tudo, mesmo ?
— Tudo, consoante à regra.

A pequena Voz fechou os olhos. E no seu interior, dentre tantos pedidos e desejos, a pequena Voz não hesitou.

— Quero meu antigo Anjo-da-guarda de volta, Anjo!
— Mas sempre fui eu, o mesmo de sempre.
— Então tu achas que, mesmo por estas luzes fracas e esta fala sonolenta, tu podes me enganar? Tu não és meu Anjo Verdadeiro! Saias daqui, já!

Silêncio.

A Voz se concentrou e respirou fundo.

— Sou eu.
— Mas não és mesmo.
— Por que estás a dizer isto?
— Simples, se tu és o mesmo de sempre, o que estavas fazendo ontem quando cá não me abençoaras?

A Voz entendeu bem a pergunta, e nada o que pudesses dizer soaria tão verdadeiro para a esperta pequena Voz.

— Eu estava aqui sim. Tu estavas a dormir um sono profundo e não podes sentir-me vivo ao teu lado.
— Não, Anjo. Eu espero tua chegada todos os dias, durmo um sono fingido à espera.
— Pois ontem só pude visitar-te bem, mas bem a noitinha mesmo.
— Mas logo ontem que eu esperei a noite toda...

Silêncio.

— Então, Anjo. Vai atender-me ou não? Quero meu verdadeiro Anjo de volta, e você pode cuidar de outros!

A Voz saiu pela porta que fez um estardalho em meio a colisão maçaneta-chão, deixando a pequena Voz sozinha no quarto. E a mesma Voz entrou pela mesma porta que fez um rugido quase mudo.

— Andas procurando por mim? — imitou a Voz uma voz diferente. — O que queres?
— És tu meu verdadeiro Anjo-da-Guarda?
— Sim, sou eu.
— Então tu podes me atender um pedido ?
— Claro que sim.
— Podes fazer o meu antigo do antigo Anjo-da-Guarda de volta, Anjo?
— Mas antes de mim, só fui eu mesmo.
— Não. Não!


A Voz saiu pela porta, e não fez barulho. Demorou horas a fio afora pensando no que fazer. À medida que enxergava uma solução, outros problemas surgiam para tantas soluções. A Voz já nervosa, abriu a porta com ar de demolição e entrou no quarto.

— Seu antigo antigo anjo foi demitido pelos Céus.
— Não foi nada.
— Como tu podes duvidar de mim, insolente?
— Simples.
— Ahn?
— Meu anjo está na minha frente. — quis sorrir a pequena Voz — Oi, Anjo-da-Guarda, meu.
— Tu éstas endoidado?
— Nem tanto.
— Como sabes que sou eu, teu verdadeiro Anjo-da-Guarda?
— Porque eu espero por ti todos os dias, e sei bem quem tu és.
— Quê!? Como eu sou?
— Assim.

Reparando a nervura aparente nas ações da Voz, a pequena Voz ponderou suas palavras e as disse.

— Eu sei quem tu és, sim. Tu sempre entras aqui disfarçado, e sempre me enganas. Mas hoje, não. Fui eu quem te peguei. Tu não eras nenhum outro destes. Tu és isto. — revelou a pequena Voz, dando forma a cada palavra, cuidadosamente.
— Deixes de bobagens, não há arpas, não há anjos, não há nada. A brincadeira acabou.

A pequena Voz garagalhou.

— Tu odeias perder né?
— Odeio brincadeiras.
— Meu anjo, acalme-se. Tu não és só trabalho, só preocupação, só tormento, só desamor. Tu és anjo, sim. Meu anjo, meu, meu, meu, meu, meu, meu, meu. — pareceu se divertir a pequena Voz.
— Pares com esta idiotice! Sou nada de anjos, esqueça esta brincadeira que não se sabe lá o por quê de eu ter inventado.
— Como posso esquecer se amanhã tu vais fazer a mesma coisa, talvez não como anjos, mas quem sabe como Super-Heróis?!
— Você não está sendo irônico, não né?
— Anjo meu, Guarda minha. Guarde bem estas minhas palavras.: Tu não precisas ser ogro, ser rude, ser monstro. Tu não precisas se envergonhar por ser amor, e se não és amor, não precisa se envergonhar por ser duro. E se não és nada, não precisas se envergonhar por ser nada. Para mim tu és tudo. Também não precisas rosar-se por isto. Tu és vitória também, força, valente! Tu és tantas cousas, vejas. Não precisas viver o que tu não és. E nem precisa fingir-se anjo, porque não há fingimento. Tu és o meu.
— Chega desta brincadeira! Vou dormir!

A Voz encaminhou-se à porta em passos minúsculos e antes de atravessar a porta, silabou:

— Boa noite.

A Voz saiu. A pequena Voz respondeu:

— Boa noite, Pai.

Silêncio.

23.10.09

Meus [teus] erros;

Oi! — tentou ele, com uma voz tímida, quase inaudível àquele par de orelhas com brincos minúsculos. Ela disfarçou seus movimentos com exatidão e pôs-se firme ao mirar um ponto fixo inexistente no meio daquele ônibus vazio.

Posso me sentar? — insistiu ele, não surpreso com a feição inexpressiva que foi desenhada naquele rosto de tez alva. Seus pensamentos sussurravam aos ouvidos palavras doces, e a faziam reviver todas aquelas lembranças de quatro anos em milésimos de segundos. Ela quis titubear, mas se manteve concentrada.

Durante os dias de inverno, Maria Flor arrumava as roupas de cama pacientemente, de forma suave, como se estivesse ouvindo uma Bossa Nova embalando sua manhã gélida. Nesta alvorada, sentindo-se trêmula por causa do frio, ela abriu seu armário, e escolheu. Por instinto, puxou seu cachecol rosa e branco xadrez e um casaco preto que usara apenas em certos dias de outono. Dirigiu-se ao banheiro, a fim de pentear seus fios sedosos e pretos, e esbarrou num porta-retrato em meio a pia. Ao colocá-lo de pé novamente, seu coração pulsou. Nunca o tirara dali. Ela ignorava aquela foto, todos os dias, na mesma hora, antes de ir ao trabalho, como parte de um treinamento peculiar. E, agora, a foto ganhou vida uma outra vez, fazendo seu coração acelerar-se. — Bê! — pensou ela, e pôs-se a chorar em um instante, e no outro, já tinha olhos secos e seu cabelo arrumado. Ela levou consigo a foto. E saiu de casa.

Por favor? — caguejou ele, desacreditado, sentindo-se um idiota qualquer. De repente e minusciosamente, Maria tirou sua bolsa de listras verdes do banco ao lado, permitindo-o sentar-se juntamente a ela. E, ela, nada o disse.

Ele se sentou ao lado dela, e um silêncio mesclou-se com o ar rarefeito que ambos criaram.

Está frio, tu não achas, Flor? — continuou ele, inquieto, em um tentativa de quebrar a mudez.

Ela assentiu e deu de ombros.

Tu estás indo ao trabalho? — persistiu ele, incrédulo de uma resposta falada.

Ela assentiu e pôs os fones de ouvido. Na cabeça dele, foi criado um novelo de perguntas à toa. Perguntas sobre o dia, sobre os pais, sobre o freddy, o cachorrinho vira-lata que ela adotara, sobre qualquer coisa. Numa tentativa de dizer qualquer uma delas, ele soltou:

Tu não me amas mais ?

Ele se surpreendeu com suas palavras, e quis desejar não ter saído de casa. Os dois corações, agora, batiam na mesma frequência, com infinitas batidas por segundo. Ele sentiu o corpo tremer, não mais pelo frio, pelo calor de suas palavras, sua boca ficou ressecada, sentiu a adrenalina correr em suas veias, suas pernas andavam, desandavam paradas e estacavam trêmulas. Ela continuou firme, olhando para o mesmo ponto fixo, mas, agora, seu coração palpitava, e suas pálpebras iniciaram uma movimento de abrir e fechar, embaladas pelos cílios. Viam-se gotas esvaindo-se de suas glândulas lacrimais, via-se choro. Choro mudo.

Tu não gostas mais de mim? — consertou ele. Indagou-se se o que havia dito era o mais correto a dizer, mas de nada adiantara seus questionamentos internos, seu corpo e suas palavras tinham vontades próprias, ele era apenas o reflexo de seus sentimentos.

O choro de Flor ganhou forças, e agora pequenos soluços eram perceptíveis a ele.

Andes, fales tu, Flor, acabes com esta agonia dentro de mim — choramingou ele, que continha olhos marejados. Maria Flor tentou concentrar-se novamente, enraivecida pela forma em que seu corpo respondera a indagação dele. Lembrou de todos seus esforços passados, deixou sua mão ir ao encontro de seus olhos, e continuou a fitar o mesmo ponto. Ela olhava um coração desenhado no vidro do trocador, e, agora anestesiada pelas perguntas dele, conseguiu identificar o desenho. Voltou ao seu choro mudo.

Flor, tu não tens idéia do quanto quis relevar-te que estou arrependido, e é quando fecho os olhos pela noite que este sentimento torna-se pleno e acompanha-me, juntamente com a solidão, na hora de dormir. Eu, que sempre fui um imaturo na arte de amar, reconheço que também fui negligente. Meu amor é grandioso. E é teu. E é nosso, é tudo nosso. Posso ter me esquecido de ligar as noites de outono a ti, posso ter te visto pouco, te visto muito pouco e, ainda sim, te amei. Única e exclusivamente. Em meio as guerras que travo em mim, posso consagrar-te vencedora.

Maria Flor era cachoeira viva. Não conseguia se controlar, de nada adiantou suas prévias deste encontro. Não dissimulou indiferença, como havia receitado. Não se manteve inerte, como tentou no princípio. Não se manteve muda, como planejou.

Tu sabes do apreço que tenho por ti, Bernardo. E por eu também saber, e não estar disposta a encarar toda esta sua inconstância, que eu decidi, não por impulso, matar-te todos os dias, durante todos os meus dias. Tu sempre me foste dúvida, esta é minha maior certeza. Não vou negar que não penso em ti, pois penso. E ensaidamente defronte ao espelho, faço caras e bocas tentando achar a mais indiferente possível para te mostrar quando, pelo acaso, reencontrares tu. Achei meu vazio facial. E foi este que fiz tão bem com outros tantos que entraram neste ônibus, e passaram por aquela roleta. Mas hoje, tu me pegaste de guarda baixa, Bernardo. Pela manhã, vi uma coisa que me enfraqueceu, logo hoje... Tu sabes bem que ainda sei onde tu moras. E, te encontrar por estas ruas, não seria tanta coincidência assim. Por isto, ensaio. Tu tens que lidar com o reflexo de que tu fazias comigo. Mas, sou fraca, e por esta fraqueza, tu me ganhas sempre. Sou vencedora de tuas guerras, como tu disseste, mas não sou a vitoriosa. Tu mexes comigo, Bernardo. Tu tens um jeito só seu de afagar meu rosto cansado, e alimentar meus sonhos descansados. Tu sempre me foste encanto, desejo, mas tu fazias questão de me ser saudade. Eu digo a ti, te amei, e talvez, ainda te ame, mas algo mudou, a vontade de seguir a te amar cessou-se. E, agora, tu me és ferida, cicatrizada. — aliviou-se ela, entre pausas e afirmações, choros e soluços.

A face de Bernardo estava em choque, ele que tanto quis saber sobre o ela sentia por ele, agora, quis não ter se deixado perguntar nada. A dúvida é mais doce que a certeza que machuca, é amarga. E ele conseguira interpretar tudo o que ela acabara de dizer a ele, porque ele já o tinha ponderado. Em poucos instantes após os ditos de Flor, Bernardo permitiu-se chorar. Um choro de um homem que ama, sem soluços, sem contestações, sem mágoas. Um choro de amor, como se estivesse deixando-o transbordar pelos seus olhos que, mesmo com tanta surpresa, seguiam admirar aquela menina de alma sensível e doce. Ele não quis feri-la mais, aquietou-se.

Ela avistou o ponto onde iria soltar, e pôs-se de pé, puxando a cigarra do ônibus, que tinha, agora, umas seis ou sete pessoas de olhos esbugalhados após serem platéia de todo esta conversa. Entre o ato de levantar a mão e puxar a cigarra, sem ela perceber, algo caiu de sua bolsa enquanto o ônibus acelerava. Ao dirigir-se à porta, ela disse um tchau silenciado ao Bernardo, e assim que o ônibus parou, ela saltou.

Ao olhar Maria Flor descendo do ônibus, Bernardo reparou que no caminho havia algum tipo de papel retangular no chão, e pôs-se a pegá-lo. E havia nele escrito à lápis:

"Hoje sua saudade doeu mais em mim, num simples pentear de cabelo, a vida fez com que eu relembrasse você. Acho que cheguei a chorar, mas foi tão rápido que meu rosto não ficou com alguma trilha de lágrima corrente. Fico ensaiando palavras a te dizer. E, quando mais eu faço isso, mais eu aperfeiçoo as últimas que lhe diria caso te encontrasse. Diria a ti que tu agora és ferida cicatrizada. Quando, na verdade, tu és minha maior esperança, uma esperança acalmada. E és amor, meu amor"


Bernardo virou o papel retangular, e descobriu que se tratava de uma foto. Uma foto que lá congelava o momento em que ele a pedia em noivado, e ela, num momento de felicidade eterna, aceitara. Ele seguiu sua viagem com uma felicidade de encher corações vazios, e leu o que tinha atrás da foto para todos do ônibus que acompanhavam. Ouviram-se aplausos. Ele decidira reconquistá-la todos os dias, na mesma hora, no mesmo ônibus, com o mesmo amor.

Maria Flor chegara em seu trabalho, ficou defronte ao computador, e da bolsa tirou seus utensílios. Ao vasculhar, sentiu falta da foto. E acreditou ter perdido no caminho de casa à rua. Entristeceu-se, mas sabia que tinha uma cópia em casa. Quando foi pegar mais uma caneta dentro da bolsa, percebera que lá havia uma Rosa Vermelha, uma flor. Seguida de um versinho:

"Tu és minha salvação, meu coração.
Tu tens brilho, sentimentos e emoção.
Tu és minha flor, meu calor, meu amor.
Eu sou teu e tu és minha, minha Maria Flor"



E ela, externou todo o seu amor, em um único choro.
E este choro dizia: eu amo você, bê.

19.10.09

Teus [meus] erros,

Em meio a tantas interrogações que residem em meus pensamentos, há um ponto imutável. Tu, que sempre me foste dúvida, agora, me és certeza. Poderia seguir as viagens dos meus trens sem destino sem medo de trilhos desconexos e voar pelas mais altas latitudes dos meu sonhos sem medo de cair, porque fechar-me os olhos e pensar-me teu nome era companhia, e em tua companhia, eu vivia. Em passos pausados entre corredores estreitos me dirigi a esta certeza aquilatada há poucos que hoje se faz tema de tais pensamentos. Tu, que sempre me foste lembranças, agora, me és esquecimento. E não penses tu, não sejas assim tão arrogante, em duvidar de minhas lúcidas palavras. E se hoje te escrevo, é porque está tão próximo de te ter em minha vida há 18 anos, que tu te tornas, novamente, saudade em mim. Tu de que eras. Tu de que sonhaste. Tu de que mataste. De tantas inquietações que vivo, me doei ao prazer de não mais silenciaste tu, porque tu me és ferida. Cicatrizada.

17.10.09

Reflexão,

É sob um céu algodão, admirando o passeio de dois pássaros pela imensidão azul, que eu descubro que ainda não te encontei, amor.

16.10.09

Sinestesia,

Tudo era embaçado. Minha cabeça estava cheia de pensamentos entediados de seu nome. Tudo era de um branco nuvem, e mal consigo me lembrar das cores do espaço que habitávamos. Vi, ao horizonte, você se aproximar... Trazia passos desacelerados suportando um corpo quase inerte.

E cada vez mais perto, e perto, e tudo continuava fosco. Num sussurro-mudo, sua voz alimentou meu suspense. Mais uma palavra solta e eu esperava outras mais. Você dizia tantas coisas e eu não lembro de nada, estava surdo esperando aquelas palavras que não saíam... Esperança, tensão.

Meu coração acelerou-se quando seu sussurrar aquietou-se. Tudo era inquietação, saudade. Quando você quebrou o silêncio com seu movimento e veio encostar teu rosto junto ao meu, meus braços circunferenciaram seu corpo e nos abraçamos, ah amor. Pude ouvir as músicas que embalavam nossos corações... Pude sentir-te outra vez.

Levantei, acelerado, cego, enganado, tateando tentando alcançar-te que ja se fora... Meus movimentos alardearam minhas sensações, meu corpo fedia espanto. Você não estava lá comigo... E, assim eu entendi que uma falta amarga nos presenteia depois de um sonho bom.

E meu coração chamava por você, amor...

Canção que faz lembrar,

Minha mente foi rápida ao decifrar a melodia. Não deu chances ao meu orgulho mudar a faixa. Meu coração entendeu logo, meus pensamentos lembraram algo, meus olhos congelaram. Foram poucos segundos suficentes para emergir as lembranças de tudo que ficou para trás. Fui forte, antes que minhas lágrimas caíssem, eu acordei.

17.8.09

Monólogo

Está se sentindo mal? Sério ? O que houve? - Nada, houve nada, sempre nada, mais nada, nada. Nada.

12.8.09

Rotina

Com meu estômago embrulhado, nariz vermelho, olho ardido, rosto úmido. Com meus pensamentos tristes, meu sorriso forçado, minha felicidade inventada... Com todas as minhas carências, dependências. Com esta noite que não passa, com esta insônia que me amassa, me rasga, me consome.

Com este vazio, esta dor, esta fraqueza. Com esse amor mal curado, com esse abandono mal entedido, com essa angústia que preenche o miocárdio.

Com essas incertezas que circundam minha cabeça, numa trajetória cíclica, uma reticências sem fim... com tudo isso, ou nada disso, eu me reponho, me controlo, me ouço, me confudo, me preparo para mais um feliz dia,



que terminará igual a este...

10.8.09

Felizes para sempre

Nunca acreditei em uma amizade verdadeira entre um homem e uma mulher que não contenha segundas intenções. Nunca acreditei no amor sincero, fiel e real que não tenha nascido de uma forte amizade. É a primeira vez em minha vida que saboreio o gosto amargo de não saber, não entender, não explicar este estado que não pode ser palavriado, uma espécie de sentimento intermediário entre amor e amizade.

O que vem após, nos contos de fadas, o príncipe e a plebéia se amarem e viverem uma história felizes para sempre? Eles se tornam melhores amigos. Um amor que é amor, é doloso. Sofre-se constantemente. Um casal que beira os 80 anos de amor, não são casados, namorados, são amantes, são amigos. Acho que me tornei um descrente no amor eterno, próximo à maior idade descubro, sozinho, que o amor é uma lata de leite condensado, reflita.

Quando se inicia uma papo, vira coleguismo, vira amizade, vira namorados, termina-se bem sem traições, sem mágoas, o que se vira após? Amizade não é o bastante, mas também não chega na área do goleiro chamado amor. Não se pode mais desabafar sobre tudo, deve-se medir algumas palavras e jamais dizer quem é a da vez, ou melhor, dizer que há uma da vez. De certa forma, é como montar uma fortaleza a dois para se proteger de algo imaginário, quando você percebe que ao seu redor só está você em um mundo criado por dois, dá um vazio, eu dou cor aos vazios, e este é azul, e é úmido.

Mas aos poucos a fortaleza cai, e começa a busca pela ajudante e ela está muito feliz montando outras fortalezas. Surge este estado caracterizado por não caracterizar ciúmes, pensamentos, batidas estremecedoras ao coração. É um estado puro, novo, recém-descoberto. É um estado que eu só tenho com uma pessoa nesse mundo, e esta é capaz de me entender, de me ajudar, de me criticar como jamais conseguiriam.

Um estado intermediário entre amor e amizade, que tem muito mais a ver com a nossa própria sinceridade. You always will be my everything.
Melhores Amigos?

6.8.09

Minha inspiração sou eu.

Depois de muito relutar, percebi, então, que o meu assunto era eu. Mas não eu de existência, nem eu em crise. Mas sim eu de mim. Eu de memória, eu de vontades. Eu de escrever. E é incrível como escrever por sí só já é terra fértil que faz brotar a idéia. Terra habitável, terra semeável. Terra Divina.

E por ser assim reveladora, é possível dizer da escrita, quando necessária, que é a maior certeza da vida, pois nos mostra de nós, a nossa essência, nos confirma existência de tudo a todos. A Deus agradeço por esse presente, por esse dom, quase místico que é escrita. Deus abençoe a todos que, usando a alma como tinta, escrevem.

5.8.09

A prosa que eu nunca te escrevi.

Às vezes me perco dentro do labirinto que trago no peito. As lembranças, me basta apenas reviver. Não faz muito tempo que me entreguei por completo à mudança, não faz muito tempo que amei você. Meu antigo amor tinha uma fome insaciável pela felicidade, tinha uma covinha no sorriso que me alimentava. Era como um dado num jogo em movimento... tudo dependia do ângulo que eu olhava, às vezes parecia nem ligar, outras ligava tanto que mais parecia pena.

Amar alguém que já tem outro alguém é complicado, mas amar alguém que busca esse outro é uma dor imensurável. Foram feitas mil loucuras para essa conquista: passei manhãs a fio de férias ensolaradas dormindo, acordava tarde e me embriagava de água, me entupia de poucos grãos de arroz e pouco caldo daquele feijão carregado.

Mudei por mim, mas principalmente, por você. Andava pelas ruas destraído com pensamentos entediados de seu nome, e ao me verem, perguntavam-me se tinha adoecido. Era um ex moleque que você, um dia, apenas gostou. Fiz-me alguém tão determinado, tão corajoso, tão mudado que você não poderia gostar dessa transformação, você deveria amar.

A imagem do nosso primeiro encostar os lábios, acareciar a face, envolver-nos aos braços me vem à cabeça como um fotografia recém tirada de uma polaroid onde você fica assoprando para a imagem se estabilizar, mas às avessas, me pego arrumando uma forma de transformar essa imagem estabilizada ao que era antes, úmida, fresca, real.

Você me fazia feliz com validade. Eram exatos sete dias para seu arrependimento aflorar, e você começar aquele joguinho de esconde-esconde, a me ignorar, desprezar... E foram exatas 3 vezes, que torturei com as suas idas e vindas.

Naquele momento que ficamos um defronte ao outro - passados dias naquele jogo - houve uma revelação cega: é preciso dar o 'remédio do silêncio' para tratar a indiferença do outro; e a agulha com que se aplica deve ser fina e muda; e o olhar - esse é o mais importante - o olhar deve ser irrelevante, vazio, porque a cura vem do silêncio secretamente enfurecido e só ele sozinho é capaz de dizer o que a alma muda não consegue verbalizar.

Eu não te disse nada além de um oi indiferente, um como vai indiferente, um até mais indiferente, e o que não te disse ficou tatuado na alma: te amo.. diferente de tudo que já amei. Meu antigo amor jurava não ter pena, mas bem que eu notei em seus olhos um ar de compaixão ao dizer um sim, um sim tão murcho que me contentaria com um sim calado. Mas eu acho que te surprendi, meu querido antigo amor.

Fui tão intenso, fui tão eu contigo, que você me amou pura e verdadeiramente até na terceira semana, até minha cegueira passar. Passei longos meses idealizando meu amor, e de tão idealizado, ele ficou maior que você. Eu amei mais minhas fantasias, ilusões, desejos, esperanças.. Que quando pude tocá-los, alcançá-los, eles se revelaram grandiosos, porém menores.

As lembranças que trago daquela época são paradoxos complexos que eu forço para não lembrá-los, e quando mais forço é quando mais fortes, justamente, eles ficam. As indas e vindas, os choros e as alegrias, o fascínio e o desencanto.. tudo vivido e revivido a cada 'vamos dá um tempo', a cada volta que eu sempre te concedia.. a cada essa montanha russa. Os traços dessas palavras sempre são retas por mais tortuosas que pareçam ser, pois se não fosse assim, como poderiam atravessar meu peito com tanta precisão? Atravessar as paredes que se embaralham nesse labirinto que faz moradia em mim...


Há tantos vestígios do meu antigo amor em mim. Você me fez sofrer, mas me fez viver, me fez criar um amor-próprio, você fez com que eu me superasse, você, ironicamente, me fez uma pessoa melhor. São dessas virtudes que gosto de lembrar, são só dessas que a sua saudade me faz lembrar te ti outra vez ...

3.8.09

Aperte o play

Eu poderia agora falar um pouco sobre amor ou alguma futilidade do tipo, mas eu queria mesmo falar sobre controle remoto. É, mas não é qualquer um, tem que ser tipo dvd, com pause e tudo. Acho fascinante, me entretenho na mágica facilidade que ele me dispõe.

Se tem alguém azucrinando minhas idéias, eu posso resolver isto num simples aperto, desde um abaixar volume, até um desliga. Ah, mas se tem alguém me animando, cantando, fazendo piadas, aumento o volume, gravo, coloco legenda e tudo. Deve ser fascinante possuir um controle desses na vida real, selecionar pessoas, lugares, sentimentos: sai isso, vem aquilo, ah isso é bom, aquele lá nem tanto.

Há um acidente para acontecer no piscar dos seus olhos, pause. Entro de mansinho na tragédia, tiro a pessoa do carro, ficamos em lugares a salvo e play, vejo o carro explodir. Se estou amando, é quero mais o botão que faz andar tudo devagar. Se estou odioso, aperto o >>,e só alegria.

Mas possuir um controle desses requer bastante responsabilidade, não é qualquer um que pode ter. Já pensou se uma pessoa que não vai muito com a sua cara tem esse controle? No meio de tantas asneiras que falamos, em meio a tantas babaquices, ele chega e aperta o replay, depois congela a imagem, e ficamos ali ridiculos até a risada dele acabar. Pensando bem, um controle da vida seria ameaçador. Em mãos erradas, poderia causar milhares de danos irreparáveis.

Por isso, seria bem mais legal ter uma reloginho de pilha para a vida, e até te diria porque, mas eu gastaria muita duracell para isso.


*Texto registrado e protegido pela Biblioteca Nacional.

27.7.09

Ainda me sinto um calouro

É como ter 20 anos e chegar em uma festa típica de 15. Você entra, e nota que são os mesmos donos da festa, mesmos garçons, e, principalmente, mesmos convidados. Fatidicamente, você se vê dançando com todos, puxando aquele papo esperto com uma mina que te atraia, ou bebendo com os caras de sempre.

É como não ser mais católico, e ainda assim se vê entrando numa missa. O Padre é o mesmo, os religiosos que fazem a Primeira Leitura são os mesmos, e os fiéis também são os mesmos e estão segregados sempre nos mesmos locais. Você olha para os lados, e vêm à tona, gradativamente, as lembranças. Há uma disjunção: seu corpo permanece inerte e sua alma regressa no tempo e nas emoções. Agora, você tem 15 anos e é católico. Você nunca viu aquelas pessoas na tua vida, os donos da festa e o Padre são, incontestavelmente, desconhecidos.

Você lembra quando foi falar pela primeira vez com aquela mina na festa, como era boa a comida da festa, como o calor humano era intenso naquela festa. A lembrança da festa esvai-se, você agora está no restaurante. Você se vê rindo, e brabo por ter que fazer vaquinha para o outro amigo, um amigo que você conheceu naquela grande festa. Sujeito explícito, alelos dominantes, corrente parasita, demanda diária, você acaba de se deixar afogar na parte mais profunda das suas lembranças. Você faz um esforço, e se sente profudamente machucado, por não saber se os professores ainda estão ali, ao alcance do estado intermediário entre chamá-los e o ato de levantar o dedo.

Não sei se o colégio é exatamente como me recordo, se os professores eram tão maus ou bons como congelaram em minha memória. Mas se há uma coisa que eu não me esqueço e, ah, eu nunca vou me esquecer, é o valor, conquistado dia-após-dia, de uma amizade. Você lembra do último dia de aula, e se pega fazendo as pazes pra sempre com os seus melhores amigos, os quais você nunca os reconheceu assim. Você se surpreende como cada frase dita, com cada aventura lembrada, como tu viveu três intensos anos de sua vida, achando que não chegaria o fim.

Ainda me sinto um calouro.

E foi como hoje me senti, sentado no muro próximo à bomba, embaixo da torre. Avoado, desligado de tudo, preso às lembranças de uma vida vivida no passado. Você se vê conversando com pessoas chaves que marcaram cada ano de sua vida ali, mas não é a mesma coisa. Os meus fiéis, os convidados das minhas emoções não estão tão próximos e nem tão disponíveis quando você precisar. Eu continuo seguindo a minha trajetória, a minha reta. Por mais que ela me pareça um círculo e sempre me fazendo lembrar dessa minha vida beirando esta escola. Eu sei que vou com vocês porque o que somos hoje esta presente no que fomos. A vocês meus amigos da alma, lhes agradeço para sempre! Porque fizeram com que aquela época de caminhar para o mundo de coração aberto tenha sido o melhor lugar onde esperar a vida.

Esperar a vida acontecer.






*Texto registrado e protegido pela Biblioteca Nacional.

23.7.09

Surto de realidade



Há dias venho aprisionando uma vontade deliberada de regressar ao blog. Assuntos pertinentes surgem na minha cabeça como aquela abelha infernizante no seu suco de laranja. Imagino milhares de palavras, formando um texto, com um cunho ideológico, sentimental, romântico. Mas não é tão fácil assim. Eu não me sinto à vontade para escrever, essa idéia de expressar, de dar vida às emoções, alimentá-las, tirar o invólucro que circunda essas insanidades, certamente, não é comigo. Tenho preferido guardar pra mim: ouvir, ouvir, ouvir e não falar. Omitir.


Mas chega um momento que não dá mais, a gente explode. Estou,defitivamente, cansado de passar pelas ruas e ver sempre as mesmas crianças no sinal, os mesmos baleiros no ônibus, a mesma rua esburacada, a mesma hipocrisia, a mesma humilhação, a mesma violência, as mesmas eticéteras. "Crianças morrem de fome, os homens estão se matando. Eu vejo na televisão desvios, corrupção, o crime está compensando."

Há alguns meses, uma senhora, deitada na passarela do metrô, negra e franzina, me pediu algum trocado a fim de financiar o remédio da filha doente. Não tinha trocado, e tinha acabado de receber meu salário. A menor nota que eu tinha era a de dez. Por estar tão sensibilizado com a história e por observar as vestimentas tão elementares que aquela senhora se submetera, eu a judei. Ganhei meu dia (ganhei por poucos minutos desse dia), me fez um bem que eu mal aqui poderia descrever. Lembraria desse dia com muita satisfação se eu não tivesse esquecido minha identidade no trabalho, e não tivesse passado em frente o bar, e visto aquela senhora comprando cigarros. Trouxa, otário, seja lá o que for, fiz minha parte.

Há em mim um anti-herói, cheio de jogadas revolucionárias, e também cheio de limitações. Havia, em tão pouco tempo atrás, uma vontade de mudar o mundo, e hoje eu já nem sei mais se sou capaz. Mas se eu puder mudar quem está ao meu redor, já está de bom tamanho. Um país melhor, se faz com pessoas melhores. Ninguém é a base de uma mudança quando se está estático. Requer muito de nós jovens. Temos que bater no peito, e buscar esse patriotismo esquecido. Erguer a bandeira do Brasil e mostrar a todos que vale a pena gritar pelos quatros cantos o orgulho de ser brasileiro, não somente em tempos de copa do mundo, mas em tempos quaisquer. Mudança requer um pouco mais que idéias, textos, requer muito mais a prática à teoria..


*Texto registrado e protegido pela Biblioteca Nacional.