27.7.09

Ainda me sinto um calouro

É como ter 20 anos e chegar em uma festa típica de 15. Você entra, e nota que são os mesmos donos da festa, mesmos garçons, e, principalmente, mesmos convidados. Fatidicamente, você se vê dançando com todos, puxando aquele papo esperto com uma mina que te atraia, ou bebendo com os caras de sempre.

É como não ser mais católico, e ainda assim se vê entrando numa missa. O Padre é o mesmo, os religiosos que fazem a Primeira Leitura são os mesmos, e os fiéis também são os mesmos e estão segregados sempre nos mesmos locais. Você olha para os lados, e vêm à tona, gradativamente, as lembranças. Há uma disjunção: seu corpo permanece inerte e sua alma regressa no tempo e nas emoções. Agora, você tem 15 anos e é católico. Você nunca viu aquelas pessoas na tua vida, os donos da festa e o Padre são, incontestavelmente, desconhecidos.

Você lembra quando foi falar pela primeira vez com aquela mina na festa, como era boa a comida da festa, como o calor humano era intenso naquela festa. A lembrança da festa esvai-se, você agora está no restaurante. Você se vê rindo, e brabo por ter que fazer vaquinha para o outro amigo, um amigo que você conheceu naquela grande festa. Sujeito explícito, alelos dominantes, corrente parasita, demanda diária, você acaba de se deixar afogar na parte mais profunda das suas lembranças. Você faz um esforço, e se sente profudamente machucado, por não saber se os professores ainda estão ali, ao alcance do estado intermediário entre chamá-los e o ato de levantar o dedo.

Não sei se o colégio é exatamente como me recordo, se os professores eram tão maus ou bons como congelaram em minha memória. Mas se há uma coisa que eu não me esqueço e, ah, eu nunca vou me esquecer, é o valor, conquistado dia-após-dia, de uma amizade. Você lembra do último dia de aula, e se pega fazendo as pazes pra sempre com os seus melhores amigos, os quais você nunca os reconheceu assim. Você se surpreende como cada frase dita, com cada aventura lembrada, como tu viveu três intensos anos de sua vida, achando que não chegaria o fim.

Ainda me sinto um calouro.

E foi como hoje me senti, sentado no muro próximo à bomba, embaixo da torre. Avoado, desligado de tudo, preso às lembranças de uma vida vivida no passado. Você se vê conversando com pessoas chaves que marcaram cada ano de sua vida ali, mas não é a mesma coisa. Os meus fiéis, os convidados das minhas emoções não estão tão próximos e nem tão disponíveis quando você precisar. Eu continuo seguindo a minha trajetória, a minha reta. Por mais que ela me pareça um círculo e sempre me fazendo lembrar dessa minha vida beirando esta escola. Eu sei que vou com vocês porque o que somos hoje esta presente no que fomos. A vocês meus amigos da alma, lhes agradeço para sempre! Porque fizeram com que aquela época de caminhar para o mundo de coração aberto tenha sido o melhor lugar onde esperar a vida.

Esperar a vida acontecer.






*Texto registrado e protegido pela Biblioteca Nacional.

23.7.09

Surto de realidade



Há dias venho aprisionando uma vontade deliberada de regressar ao blog. Assuntos pertinentes surgem na minha cabeça como aquela abelha infernizante no seu suco de laranja. Imagino milhares de palavras, formando um texto, com um cunho ideológico, sentimental, romântico. Mas não é tão fácil assim. Eu não me sinto à vontade para escrever, essa idéia de expressar, de dar vida às emoções, alimentá-las, tirar o invólucro que circunda essas insanidades, certamente, não é comigo. Tenho preferido guardar pra mim: ouvir, ouvir, ouvir e não falar. Omitir.


Mas chega um momento que não dá mais, a gente explode. Estou,defitivamente, cansado de passar pelas ruas e ver sempre as mesmas crianças no sinal, os mesmos baleiros no ônibus, a mesma rua esburacada, a mesma hipocrisia, a mesma humilhação, a mesma violência, as mesmas eticéteras. "Crianças morrem de fome, os homens estão se matando. Eu vejo na televisão desvios, corrupção, o crime está compensando."

Há alguns meses, uma senhora, deitada na passarela do metrô, negra e franzina, me pediu algum trocado a fim de financiar o remédio da filha doente. Não tinha trocado, e tinha acabado de receber meu salário. A menor nota que eu tinha era a de dez. Por estar tão sensibilizado com a história e por observar as vestimentas tão elementares que aquela senhora se submetera, eu a judei. Ganhei meu dia (ganhei por poucos minutos desse dia), me fez um bem que eu mal aqui poderia descrever. Lembraria desse dia com muita satisfação se eu não tivesse esquecido minha identidade no trabalho, e não tivesse passado em frente o bar, e visto aquela senhora comprando cigarros. Trouxa, otário, seja lá o que for, fiz minha parte.

Há em mim um anti-herói, cheio de jogadas revolucionárias, e também cheio de limitações. Havia, em tão pouco tempo atrás, uma vontade de mudar o mundo, e hoje eu já nem sei mais se sou capaz. Mas se eu puder mudar quem está ao meu redor, já está de bom tamanho. Um país melhor, se faz com pessoas melhores. Ninguém é a base de uma mudança quando se está estático. Requer muito de nós jovens. Temos que bater no peito, e buscar esse patriotismo esquecido. Erguer a bandeira do Brasil e mostrar a todos que vale a pena gritar pelos quatros cantos o orgulho de ser brasileiro, não somente em tempos de copa do mundo, mas em tempos quaisquer. Mudança requer um pouco mais que idéias, textos, requer muito mais a prática à teoria..


*Texto registrado e protegido pela Biblioteca Nacional.