26.11.09

Passos pelos campos

Bem me faz tu quando insistes em caçar meus rastros em outras trilhas. Deixo úmida minha pegada, forço minhas pisadas, e sigo este meu trajeto, reto, nada correto. Não dou cabo de minhas marcas, exponho-as, e que tu encontre-as rapidamente, ou demores um pouco, deixando-me saborear esta mistura doce do reencontro com o amargo da saudade. Podes caminhar ao lado de meus desenhos perfeitamente delineados à terra fresca, podes traçar teu destino paralelamente ao meu. Somos retas, e paralelas. Não nos encontramos... Tu consegues bem seguir meus passos, sinto tua presença a cada passo milimetricamente dado em minha direção. Mas estes meus rastros que deixo ruas afora estão em outros campos, em outras terras. Aqui, perto de mim, há apenas pegadas no asfalto. Não há como enxergar estes meus passos. Ainda deixo minha esperança solta pelos campos, um atalho. O atalho que te ensinas a chegar nestas trilhas distintas do meu andante coração.

24.11.09

Calo-me e tu falas por mim

Você some.
Me consome.
Sabe que não é assim.
Gosta de pertubar a mim.
Nesse jogo de gato e rato.
Não me dá papo.
E a gente vai vivendo
E se entendendo, assim...


por Felipe Garcez

18.11.09

Deixe-me.

Deixe-me, logo. Deixe-me partir de vez. Deixe-me perambular em outros mundos fora dos teus, deixe-me viver em paz. Deixe-me ausentar de tua vida cheia de graça de tuas felicidades, de teus vícios, tua vida, esta, que me alimentou por tantas noites vazias em claro. Deixe-me tentar te esquecer por três dias apenas, deixe-me, e se eu assim for capaz, não me busques não. Se não capaz, deixe-me, ao menos por poucos segundos, entrar em teus comandos, descobrir teus encantos, viver em teu canto. Deixe-me entender o porquê desta mania de desencontros. Deixe-me entender tuas inconstâncias e teus desapegos. Deixe-me entender-te logo, quem sabes assim eu não passe a compreender tudo que sinto e escapo de ti, de tudo que nos chama, deixe-me ser água que corre pelos canos, deixe-me fluir. Deixe-me fechar os olhos e por um instante, não pensar em ti. Deixe-me ou não me deixes de vez. Não me deixes, portanto, assolar-me de teus atos, de teus estados, de tuas vidas. Várias vidas. Deixe-me te amar todos os dias, faças a mim promessas diárias e cumpra-as. Não me deixes esperando... não me deixes mais, ou me deixes sempre, e deixes a vida me ensinar a viver sem ti.

Deixe-me. Deixe-me. E saias de mim.

16.11.09

Chove lá fora.

É frio. E venta. Desesperanças e sonhos fugazes inudam toda a rua que se faz estreita ao passos cambaleantes deste instável rapaz cheio de ventania. É escuridão. E o sereno sussura aos ouvidos dele que o perigo se aproxima de forma estratégica, aguardando o tempo exato entre o escorregar e o cair neste beco escuro de luzes distorcidas e fracas. Ele se manteve firme ao passar pelo declive que o pegou desprevinido naquela rua conhecida ao dia, estranha e inesperada à noite. É noite. E o som dos sinos da meia-noite ecoa por toda a cidade como um aviso prévio, um alarme. E ele já não se importa mais. Procura, como quem caça um abrigo em meio a tempestades, um canto para se entregar e se deixar devorar de vez, em uma única tentativa. Não foge. Na descida da rua de altos e baixos ele caiu.

Quis analisar se era o certo a fazer, e não fez. Ficou por horas a fio nesta calçada inundada de amores passageiros, corações despedaçados, tristezas reprimidas. O perigo, agora, o cerca contemplando o medo daqueles olhos fixos feitos frestas para ideias vãs. Ele não é ele mais. Seu rosto fora distorcido por suas mãos sujas pela lama da rua enquanto passara-a em seu rosto conturbado. É amor. E dói. E o perigo revela-se humano com rosto, cabelos compridos, unhas vermelhas, seios fartos, tez morena e calor nos olhos. O perigo se senta ao lado dele, fitando os olhos amendrontados que ele carregava em meio a face, aquecendo com um vento de ternura. É manhã. E chove fino. E traz consigo todo o nascer do sol que reflete seus raios nestas gotículas fortes que caiem do céu. O rapaz acorda, trêmulo de olhos vermelhos, e vê que dormira ao lado da pessoa que o fizera ali está. Ele sente o perigo do reencontro em sua tez alva.

Há calafrios. Há também amor, e a ele não era compreensível. Pela tarde que antecedera sua bebedeira jurava a si nunca mais dizer-se o nome dela em si, jurara amar como quem ama o inimigo que te mata com ódio na hora de sua própria morte, jurara apenas nunca mais amar. E, agora, de nada adiantara seus falsos juramentos, suas faltas expectativas, seu falso ódio. Amava, e naquele momento em que pôde observar que o perigo que adormece ao seu lado foi ao seu encontro dentre penumbras que assombram todos que por ali passavam, ele fora capaz de compreender. Seu amor, que nunca ecoou aos quatro ventos o sentimento que sentira por ele, que nunca caçou feito loba por sua companhia, que nunca inundou seu coração de esperanças, ainda era seu amor, ainda que sejas perigoso. Perigosa.

E os dois se mantiveram adormecidos, na Cidade Sem Destino, na Rua Dos Apaixonados. E se aqueceram, na quietude dos seus sentimentos, sonharam.

10.11.09

Um vazio sem cor.

Eu poderia esquecer todos os pesares que brincam de me atormentar pelas noites gélidas. Poderia ignorar fardos, problemas, receios. Poderia tantas coisas, pois tu estavas ao meu lado. Tu eras brilho, e transformavas qualquer pedaço de vidro em diamante. Eu poderia ter o mundo em teus abraços, porque tu me deste vida.

E de repente, tudo se apaga. Nada mais sobra, nem do que ficou. Pro teu cansaço tu tinhas meus ombros, pra tua carne a minha carne, pro teu corpo minha alma, pra tua alma o meu amor. Tu tinhas tudo e eu quase nada. E, agora, nem mesmo um vazio sobrou.


Quando lembrei de mim, passei a te esquecer.
E, vejas, esqueci.

O teu vazio colorido não colore mais minha vida.

6.11.09

Quando a gente [re]ama.

É bem ali, no instante de não pensar e pensar. Vejo-me, em sonhos, driblando obstáculos para ver-te passar por aí, em uma ruela qualquer. Eu espero andando tua vinda parada. Alguma coisa martela em meu coração, uma saudade, um carinho, eu não sei não. Só sei que conheço a melodia neste martelar, ritmado.

Sinto beijos em meu rosto, mandados por ti, jogados ao vento, com número e endereço. E o vento sussura no meu ouvido que tu estás por perto. E me orienta para tua direção. Teimo. Tenho medo. E sigo o sentido contrário, mas tu estás por toda parte.

Labirinto. Paro. Respiro. Procuro outro canto. Então, por entre as frestas da janela, o sol aquece meu corpo já aquecido de sonhos teus, acordo. E lembro teu rosto. E ponho-me a fechar os olhos outra vez. Teus olhos continuam a me fitar, e emanam saudade. Já os meus, refratam e refletem toda esta procura não achada, este entendimento incompreensível.

Há suspiros. Minhas pernas, já trêmulas, reconhecem o que as fazem tremer. Esta luz ilumina toda esta penumbra que fez, desde tua ausência, moradia em meu peito. Quando a gente [re] ama, o coração é rápido em entender...

2.11.09

Eu, que carregava meu passa-tempo na mochila...

A Vó, que tivera sua infância bombardeada de notícias trágicas vindas da Segunda Grande Guerra, e seus sonhos interrompidos em meio à repressão imposta pela Ditatura, sorriu-lhe por instantes, e disse-lhe, por impulso:

— Como é viver após os dezoito anos, meu netinho enjoado? — Brincou a Vó, emocionando-se ao poder contemplar o momento em que seu quarto neto se transformara em adulto.

— Vó, minha! É como perguntar-me se bolo está bom, antes que eu o tenho provado — Respondeu ele, rindo de suas palavras, forçando uma dúvida inexistente sobre o gosto do bolo que sua vó fizera.

— Mas você acredita que esteja bom, não é ? — Resmungou ela, meio incerta se deveria ter perguntado.

— Claro que sim, vovó. — Firmou-se, dando a ela certeza de suas palavras. — Continuo acreditando em sua experiência com os doces da família, em suas sábias palavras, e em seu amor que transborda do seu coração. — Continuou ele, tentando aliviar a tensão criada pela brincadeira.

— Ah meu neto, então não me venha com dúvidas. E voltando ao futuro, o que ele te reserva? — inquietou-se, ansiosa com a resposta dele.

— Quanto a isto, eu não sei, não, vó. Só uma coisa tenho certeza: Continuo com os mesmos sonhos que não cabem em minhas mãos.

E a vó, em ponto de soltar uma lágrima, retribui-lhe as palavras apenas sorrindo. E este sorriso dizia:

— Este é o meu netinho!