À beira cama, numa quietude serena, onde nenhuma voz quarto afora se fazia ouvir, uma ganhou vida. E mais uma. E silêncio.
— Durmas com Deus! — sussurrou a Voz, em uma tranquilidade forjada.
Silêncio.
"Quantas histórias eu não contei, quantos choros não ouvi, quantas vitórias não contemplei, quantos momentos desperdicei?", em pensamentos retóricos, contestou-se a Voz.
A Voz deu de costas à cama, e direcionou-se à porta. De madeira velha e despedaçada, a porta rugiu. Acordando, assim, a pequena Voz.
— Espere! — exclamou a pequena Voz. — Quem és tu?
— Tu não me reconheces mais?
— Devo mentir?
— Achas que deve?
— Queres me responder, sem perguntas? Quem és tu?
— Um anjo.
A pequena Voz fitou o vazio, em meio a escuridão. Em uma tentativa frustrada, ela tentou alcançar a lanterna que sempre ficara ao lado da cama, mas a Voz, cautelosamente, já a tirara de jogada. Espertamente, a pequena Voz lembrou-se do abaju, e no intervalo de levantar a mão e acendê-lo, a Voz já o fizera.
— Calma, agora podes me ver bem.
— Nem tanto, mas vejo teus olhos.
— Reconheces os olhos de teu Anjo?
— Tu és meu Anjo? Anjo-da-Guarda?
— Sim, sou eu.
A Voz sentiu um orgulho invadir seu espírito ao se afirmar à pequena Voz, que mesmo sonolenta, se sentiu bem disposta.
— Então, tu és meu Anjo-da-Guarda!
— Sim, e tudo que me pedires, posso atender-lhe.
— Tudo tudo tudo, mesmo ?
— Tudo, consoante à regra.
A pequena Voz fechou os olhos. E no seu interior, dentre tantos pedidos e desejos, a pequena Voz não hesitou.
— Quero meu antigo Anjo-da-guarda de volta, Anjo!
— Mas sempre fui eu, o mesmo de sempre.
— Então tu achas que, mesmo por estas luzes fracas e esta fala sonolenta, tu podes me enganar? Tu não és meu Anjo Verdadeiro! Saias daqui, já!
Silêncio.
A Voz se concentrou e respirou fundo.
— Sou eu.
— Mas não és mesmo.
— Por que estás a dizer isto?
— Simples, se tu és o mesmo de sempre, o que estavas fazendo ontem quando cá não me abençoaras?
A Voz entendeu bem a pergunta, e nada o que pudesses dizer soaria tão verdadeiro para a esperta pequena Voz.
— Eu estava aqui sim. Tu estavas a dormir um sono profundo e não podes sentir-me vivo ao teu lado.
— Não, Anjo. Eu espero tua chegada todos os dias, durmo um sono fingido à espera.
— Pois ontem só pude visitar-te bem, mas bem a noitinha mesmo.
— Mas logo ontem que eu esperei a noite toda...
Silêncio.
— Então, Anjo. Vai atender-me ou não? Quero meu verdadeiro Anjo de volta, e você pode cuidar de outros!
A Voz saiu pela porta que fez um estardalho em meio a colisão maçaneta-chão, deixando a pequena Voz sozinha no quarto. E a mesma Voz entrou pela mesma porta que fez um rugido quase mudo.
— Andas procurando por mim? — imitou a Voz uma voz diferente. — O que queres?
— És tu meu verdadeiro Anjo-da-Guarda?
— Sim, sou eu.
— Então tu podes me atender um pedido ?
— Claro que sim.
— Podes fazer o meu antigo do antigo Anjo-da-Guarda de volta, Anjo?
— Mas antes de mim, só fui eu mesmo.
— Não. Não!
A Voz saiu pela porta, e não fez barulho. Demorou horas a fio afora pensando no que fazer. À medida que enxergava uma solução, outros problemas surgiam para tantas soluções. A Voz já nervosa, abriu a porta com ar de demolição e entrou no quarto.
— Seu antigo antigo anjo foi demitido pelos Céus.
— Não foi nada.
— Como tu podes duvidar de mim, insolente?
— Simples.
— Ahn?
— Meu anjo está na minha frente. — quis sorrir a pequena Voz — Oi, Anjo-da-Guarda, meu.
— Tu éstas endoidado?
— Nem tanto.
— Como sabes que sou eu, teu verdadeiro Anjo-da-Guarda?
— Porque eu espero por ti todos os dias, e sei bem quem tu és.
— Quê!? Como eu sou?
— Assim.
Reparando a nervura aparente nas ações da Voz, a pequena Voz ponderou suas palavras e as disse.
— Eu sei quem tu és, sim. Tu sempre entras aqui disfarçado, e sempre me enganas. Mas hoje, não. Fui eu quem te peguei. Tu não eras nenhum outro destes. Tu és isto. — revelou a pequena Voz, dando forma a cada palavra, cuidadosamente.
— Deixes de bobagens, não há arpas, não há anjos, não há nada. A brincadeira acabou.
A pequena Voz garagalhou.
— Tu odeias perder né?
— Odeio brincadeiras.
— Meu anjo, acalme-se. Tu não és só trabalho, só preocupação, só tormento, só desamor. Tu és anjo, sim. Meu anjo, meu, meu, meu, meu, meu, meu, meu. — pareceu se divertir a pequena Voz.
— Pares com esta idiotice! Sou nada de anjos, esqueça esta brincadeira que não se sabe lá o por quê de eu ter inventado.
— Como posso esquecer se amanhã tu vais fazer a mesma coisa, talvez não como anjos, mas quem sabe como Super-Heróis?!
— Você não está sendo irônico, não né?
— Anjo meu, Guarda minha. Guarde bem estas minhas palavras.: Tu não precisas ser ogro, ser rude, ser monstro. Tu não precisas se envergonhar por ser amor, e se não és amor, não precisa se envergonhar por ser duro. E se não és nada, não precisas se envergonhar por ser nada. Para mim tu és tudo. Também não precisas rosar-se por isto. Tu és vitória também, força, valente! Tu és tantas cousas, vejas. Não precisas viver o que tu não és. E nem precisa fingir-se anjo, porque não há fingimento. Tu és o meu.
— Chega desta brincadeira! Vou dormir!
A Voz encaminhou-se à porta em passos minúsculos e antes de atravessar a porta, silabou:
— Boa noite.
A Voz saiu. A pequena Voz respondeu:
— Boa noite, Pai.
Silêncio.
Me diz como você consegue ?
ResponderExcluire por você escrever tão bem, que venho aqui sempre que tem um texto novo. E mas uma vez você conseguiu *-*
... E se não és nada, não precisas se envergonhar por ser nada... // AMEI sz
"...E se não és nada, não precisas se envergonhar por ser nada. Para mim tu és tudo..."
ResponderExcluirNossa, eu até me identifiquei com o seu texto.
Porque meu pai já me disse isso!
SENSACIONAL!
Todos os dia eu venho aq so pra ler szeus textos , eles me satisfazem muito, eu viajo lendo eles; da prazer de ler
ResponderExcluirSENSACIONAL! [2]